APRESENTAÇÃO

O grupo de pesquisa “Cognição, afetividade, e letramento crítico” surge a partir da convergência de temáticas de pesquisa e reflexão de professores da área de língua inglesa do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia no que tange aos aspectos sócio-cognitivo-afetivos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem em diferentes contextos. Seu objetivo é criar espaço para leituras, pesquisas, reflexões e diálogos sobre aspectos sócio-cognitivo-afetivos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem em geral, em contextos diversos, com foco nas contribuições trazidas por estudos sobre novos letramentos, cognições, crenças e motivação. Tem como meta envolver graduandos, mestrandos, doutorandos e docentes da educação básica e superior das mais diversas áreas do conhecimento, de forma interdisciplinar, interessados nos temas e objetivos propostos pelo grupo.

Segundo Longhi, Bercht e Behar (2007, p. 2), o termo cognição pressupõe um “conjunto de processos mentais que participam na aquisição de conhecimento, na percepção do mundo (e de nós mesmos) e de como este mundo é representado”. Para os autores, razão, raciocínio, percepção, memória, compreensão, atenção, juízo, pensamento, linguagem, bom-senso e inteligência estão relacionados à cognição. Na definição de Borg (2003), pesquisador que se dedica ao estudo da cognição de professores, esta inclui também crenças e conhecimento, que para o autor são indissociáveis.

Por sua vez, os termos emoção, estados de humor ou ânimo, motivação, sentimento, paixão, personalidade, temperamento estão relacionados à afetividade, por se tratarem de manifestações da afetividade (LONGHI, BERCHT e BEHAR, 2007; GALVÃO, 2003). Por estar relacionada às experiências e vivências do aprendiz, a afetividade pode ser entendida como um conceito mais abrangente que pode gerar diversos tipos de emoções e sentimentos no aluno em relação à tarefa de aprender (e.g. entusiasmo, interesse, repulsa), os quais tendem a favorecer ou inibir seu desenvolvimento.

Como ressaltam Souza e Costa (2004), a afetividade é um instrumento que desencadeia ações. Na visão de Piaget, “a afetividade seria a energia, o que move a ação, enquanto a razão seria o que possibilitaria ao sujeito identificar desejos, sentimentos variados, e obter êxito nas ações” (LA TAILLE, 1992, p. 66).

Neste grupo de pesquisa, valorizamos uma visão não fragmentada que entende afetividade e cognição como interdependentes, buscando compreendê-los a partir das relações que os aprendizes estabelecem com o meio, ou seja, com o contexto de aprendizado formal e informal. Acreditamos que os pensamentos dos indivíduos, bem como sua atenção, percepção e discurso atuam como mediadores de seu comportamento e que esses indivíduos não são, portanto, apenas guiados por sentimentos involuntários. Como postula Piaget (1991), existe um paralelismo entre o desenvolvimento da afetividade e o das funções intelectuais, aspectos esses indissociáveis de cada ação. Sendo assim, “nunca há ação puramente intelectual (sentimentos múltiplos intervêm, por exemplo, na solução de um problema matemático, interesses, valores, impressão de harmonia, etc), assim como também não há atos que sejam puramente afetivos (o amor supõe a compreensão)” (PIAGET, 1991, p. 38).

Acreditamos que a manifestação da afetividade (quer seja positiva ou negativa) não se dissocia do processo de ensino e aprendizagem, na medida em que pode favorecer ou inibir o desenvolvimento da cognição do aprendiz. Por exemplo, um aprendiz intrinsecamente motivado, ou seja, que tem desejo de aprender uma língua estrangeira, que apresenta atitudes positivas em relação a essa língua se esforçará mais, procurando oportunidades para aprender, persistirá de forma a atingir seus objetivos, o que, por sua vez, poderá contribuir para o desenvolvimento de suas competências nessa língua.  Dessa forma, cognição, motivação e afeto são vistos como subsistemas dinâmicos que interagem de forma contínua e complexa e que não podem existir de forma isolada (DÖRNYEI e USHIODA, 2011), apesar de tais conceitos poderem ser diferenciados no que diz respeito a como são “sentidos”. A motivação está ligada a desejo, interesse, persistência, esforço, ou seja, à ação, enquanto as emoções tem a ver com sentimentos de felicidade, tristeza, raiva, irritação. A cognição, por sua vez, está relacionada, como já mencionado, ao intelecto e não apresenta valência, intensidade, como as emoções e motivação.

Não podemos deixar de considerar as influências advindas dos contextos de aprendizagem (formais ou informais, presenciais ou virtuais) na análise de como os indivíduos aprendem, uma vez que “o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social se dá de forma interdependente” (SILVA e SCHNEIDER, 2007, p. 85).

A importância do contexto de aprendizagem também é sublinhada por uma série de pesquisadores cujos estudos ficaram conhecidos como “new literacies studies”, entre eles Castell et al. (1986), Cope & Kalantzis (2000), Gee (2004), Knobel & Lankshear (2006) e Street (2005). Castell et al. (1986), por exemplo, destacam dois fatores relacionados ao contexto social de aprendizagem. Primeiro, as relações entre o background cultural dos alunos e o ambiente escolar específico; segundo, os tipos de competência que permitem ao aprendiz aprender novas habilidades e executar tarefas fora da escola (“metatextual second-order competence”). Para os autores, trata-se de uma competência que o aprendiz adquire ao aprender a ler, e que transfere para outras situações de codificação e decoficação de informação, como a fala, e a comunicação multimodal.

Street (2005) não acredita em uma separação rígida entre a escola e os letramentos associados a ela, e o aprendizado informal e cotidiano que ocorre fora do ambiente institucional. Em vez disso, o autor situa as diferenças entre esses dois tipos de aprendizado ao longo de um continuum em que diversos tipos de letramento se sobrepõem. Nesse sentido, o autor propõe uma compreensão mais ampla de aprendizado: “an expanded understanding of what it means to learn across local and more global contexts as [people] move between cultures and communities”. Essa concepção mais abrangente de aprendizado, segundo o autor, poderia embasar a elaboração de um currículo educacional mais  complexo e atento à diversidade de práticas de letramento com os quais os alunos se deparam dentro e fora das escolas. Tal currículo possibilitaria o estudo de gêneros e discursos  característicos das práticas de letramentos em ambientes educacionais, além de uma análise das relações institucionais de poder em que essas práticas estão ancoradas. Afinal, como assevera o autor, as práticas educacionais nunca são neutras nem universais, mas construídas socialmente e situadas em um contexto histórico e cultural específico. Além disso, as práticas educacionais frequentemente fazem uso de uma série de modos semióticos simultaneamente, tais como a imagem, o som, a diagramação, o gestual, entre outros. Por isso, Street (2005) defende a necessidade de aproximar o conceito de letramento acadêmico a outras práticas comunicativas, como a visualidade, de forma a superar uma noção de letramento puramente linguística, e reconhecer outros modos semióticos estreitamente relacionados à leitura e à escrita.

De forma semelhante, pesquisadores como Kress (2000, 2009) e Kress & van Leeuwen desenvolveram vários estudos sobre multimodalidade, defendendo a inclusão dos multiletramentos em programas de educação formal. Outros pesquisadores, como Gee (2004), também salientam a importância da multimodalidade na comunicação mediada por computadores, e o aprendizado adquirido através de experiências com videogames, por exemplo. Assim como Street (2005), Gee (2004) também defende a necessidade de   diminuir a distância entre o aprendizado formal, institucionalizado da sala de aula, e o aprendizado informal que acontece, por exemplo, no ambiente familiar do aluno, ou no convívio com amigos em situações de lazer, quando a comunicação virtual em salas de bate-papo na internet ou através de jogos online propiciam o desenvolvimento de um letramento muitas vezes ignorado ou até mesmo desvalorizado pelo professor em sala de aula.

Ao levarmos em consideração outras formas de aprendizado não-institucionais, tendo em mente que qualquer letramento é, antes de mais nada, social e culturalmente localizado, poderemos desnaturalizar ideias, crenças e conhecimentos do senso comum, e “levar o aluno a refletir sobre a história, sobre o contexto de seus saberes” (MENEZES DE SOUZA, 2011, p.293), para que ele perceba como aquilo que lhe parece natural pode ser estranho, incompreensível ou até hostil para alguém situado em outro contexto diferente do seu.  Essa reflexão – que, segundo o autor, está no bojo de uma proposta de letramento crítico – pode, ainda de acordo com Menezes de Souza, educar para a diferença e para o conflito entre visões e leituras de mundo diferentes, conscientizando o aluno das consequências éticas de suas ações e interpretações – algo de suma importância no mundo globalizado, multimodal e híbrido em que vivemos atualmente.

Algumas das questões que nos intrigam e que serão tema de debate nesse grupo são: como os alunos aprendem o que aprendem, ou seja, que estratégias, estilos e instrumentos de aprendizagem facilitam a tarefa de aprender línguas? Em que medida os contextos de aprendizagem enquanto espaços de interação social, com suas especificidades, contribuem para a aprendizagem de línguas? De que maneira a cognição de alunos (crenças), bem como aspectos afetivos (personalidade, ansiedade, motivação) influenciam a tarefa de aprender línguas? O que outras áreas do conhecimento têm a dizer sobre os processos de aprender? Como a pesquisa sobre o aprendizado informal pode nos ajudar a refletir sobre o letramento escolar de  maneiras diferentes? Qual a contribuição dos estudos sobre crenças, motivação e novos letramentos para as reflexões sobre ensino e aprendizado de línguas? Como implementar uma proposta de intervenção pedagógica baseada nas teorias dos novos letramentos e do letramento crítico?

O objetivo geral do grupo é:

Promover leituras, pesquisas, reflexões e diálogos sobre aspectos sócio-cognitivo-afetivos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem em geral, em contextos diversos, com foco nas contribuições trazidas por estudos sobre novos letramentos, crenças e motivação.

Dentre os objetivos específicos, temos:

1)        Debater e investigar a influência de diferentes aspectos sócio-cognitivo-afetivos, tais como motivação, crenças e ansiedade, nos processos de ensino e aprendizagem;

2)        Discutir e investigar as especificidades dos processos de aprendizagem em ambientes presenciais e virtuais, sejam eles em contextos formais ou informais, por exemplo, através de redes sociais, jogos eletrônicos, entre outros;

3)        Analisar e discutir as implicações dessas especificidades para a formação de professores, no que diz respeito ao planejamento, execução e avaliação de ações pedagógicas;

4)        Avaliar a contribuição dos estudos sobre novos letramentos, multiletramentos e letramento crítico para as reflexões sobre ensino e aprendizado de línguas;

5)        Promover debates inter ou trans-disciplinares sobre questões de ensino e aprendizagem, e sua relevância para a formação de professores.

 

Grupo de pesquisa no Cnpq: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6104126200461094

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